14 de fev. de 2010

OS DEUSES DA IMPERATRIZ

CARNAVAL MARAVILHOSO

Hoje começa a 1ª parte do desfile das escola de samba do grupo Especial, abrindo o desfile, a União da Ilha e encerrada pela Beija-Flor de Nilópolis (que pela milionésima vez, sempre a ultima a desfilar). Venho aqui escrever sobre a minha querida e amada Imperatriz Leopoldinense, da qual a admiro desde pequeno. Tradicional escola do bairro de Ramos, no subúrbio do Rio e que é admirada por todos em todo o subúrbio por onde passava (e ainda passa) a antiga estrada de ferro Leopoldina (do qual deu-se o nome da escola), hoje a noite será a segunda a desfilar na Sapucaí e trará um grande samba-enredo falando sobre um tema que geralmente causa discussão e polêmica. É sobre os deuses cultuados por diversar religiões praticadas neste país, trata-se de "Brasil de Todos os Deuses" desde a época indígena até os dias atuais. Estarei na torcida para que tudo saia bem e que a escola possa mostrar pra todos que sabe desfilar e sambar como nenhuma outra. Vejam abaixo um pouco mais sobre a escola e sobre o samba-enredo deste ano:


BRASIL DE TODOS OS DEUSES
Carnavalesco: Max Lopes
Texto: Marcos Roza


Uma terra abençoada! É um Brasil que nasce de homens bem-aventurados, de uma história de dores e de alegrias, que gera um povo miscigenado, criativo e crente no que se tem de mais valor: o poder dos deuses. Seres iluminados, supremos, espirituais ou materiais, sagrados ou profanos, divinos de um Brasil de todos os Deuses.

Brilha! A Coroa da Imperatriz Leopoldinense às coroas das divindades... Despertamos da imensidão do nosso Brasil, do "realismo mágico" do Reino de Tupã à nossa criação.

Povoado pelo consciente imaginário dos índios brasileiros - os donos da terra; ressoam das matas cantos, louvores, ritos, rancores, paixão e fé. No enredo do meu samba, Tupã é um Deus, genuinamente, "brasileiro". Ele é a força divina, como no mito guarani da criação, que desce à terra personificado em um manto de luz e cor e cultuado como Deus do Carnaval. É Tupã que une e apresenta os elementos constitutivos das religiões brasileiras e o fenômeno religioso universal do Homem, que crê em Deus, em Olorum, em El, em Alá, em Maomé, em Jeová, em Buda, em Brahma, ou seja, em um Ser Superior.

Tupã, de seu trono, tudo vê. No século XVI, treze caravelas de origem portuguesa aportam em terras brasileiras. À primeira vista, tais navegadores, cumprindo um contrato religioso, acreditam tratar-se de um grande monte e chamam-no de Monte Pascoal. Realizam, em 26 de abril de 1500, a primeira missa no Brasil. Desde então, as atitudes e imposições dos homens brancos aos filhos de Tupã, e até mesmo aos negros africanos que, posteriormente, viriam para além-mar na condição de escravos, cultuou-se o cristianismo. A cruz marca o testemunho de fé desses navegadores portugueses, que reconhecem Cristo como "Deus Homem" ou como a encarnação de Deus.

Assim, a fé cristã é difundida, chegam as catequeses e a lavoura e, com elas, a exploração do Novo Mundo, desvendado por Seu Cabral.

O sopro forte de Tupã vai nos mostrando a nossa formação. Criam-se doutrinas, estórias, mitos e lendas. Sob a inviolável fé cristã, vindos da África Ocidental, os negros africanos trazem, além da dor da escravidão, suas crenças, suas divindades, suas lembranças... de um ritual chamado N?Golo, praticado nas aldeias do sul de Angola, à época do rito da puberdade - que representava a passagem de moça para a condição de mulher. Também aporta, com os negros africanos, o culto aos Orixás - que atuam como intermediários entre o mundo terrestre e o Deus Negro - chamado Olorum ou Olodumaré, o Princípio Criador.

O Brasil transcende a um princípio de unidade geral: negros, índios e europeus ganham um só corpo, viram uma só gente, abençoada pelos "deuses brasileiros". É o despertar poético de uma ardente nação, uma nação, que perante os olhos de Tupã, vê navegar sobre seus mares, navios a vapor trazendo homens, mulheres, velhos e crianças (1870-1930) à nova terra.

A viagem marca para sempre a vida dos imigrantes europeus, asiáticos, indianos, americanos, entre outros. Partir assinala o encerramento da origem da sua existência, sublinhado pelo traço genérico comum de ansiedade, estranheza, expectativa da chegada e a reconstrução de uma nova vida em outro país. Até que o processo de imigração viesse a se concretizar, fatos como a visão etnocêntrica (dos nacionais) e a autopercepção do imigrante como estrangeiro contribuíram para reforçar os laços de grupo, os laços familiares e, sobretudo, os laços religiosos.

As tradições religiosas dos imigrantes no Brasil fundiram-se a nossa brasilidade. Dos bairros étnicos, judeus, árabes, ortodoxos, japoneses budistas ou xintoístas, alemães protestantes, e até indianos hare krishnas, com suas formas de linguagens, expressões diretas e atuantes, preservam seus mistérios e cultuam seus deuses...

Entre o sagrado e o profano, Brasil de todos os Deuses é a devoção de cada religião, é a celebração das festas religiosas. Da Festa do Divino, que tem origem nas comemorações portuguesas a partir do século XIV e que no Brasil é marcada pela esperança de uma nova era para o mundo dos homens, com igualdade, prosperidade e boa colheita. Do Reisado, da festa do negro que se faz no Congado, da Cavalhada - a histórica batalha entre cristãos e mouros, das romarias e dos beatos e sua peregrinação pelos caminhos da fé.

De um Brasil que vive em harmonia, onde deus paga, onde deus cria e convive com o povo brasileiro no seu dia-a-dia:

Deus lhe pague!
Deus lhe abençoe!
Deus é o vosso Pai,
Deus é o vosso guia...

Vai com Deus!
Deus é amor.
Graças a Deus!
Deus é meu pastor.

O encanto toma conta do espírito de Tupã que abençoa o Brasil como o templo da união de todas as crenças. Das matas indígenas ao cristianismo, dos cultos afros às manifestações religiosas, dos imigrantes, da festa da fé ao povo brasileiro. A Imperatriz Leopoldinense é o templo do Brasil, é o Brasil de todos os Deuses - um poema épico, erguido ao longo da nossa história, que pede passagem para contar em "canto e oração" a ação sociocultural de todas as religiões nesse encontro mágico e poético chamado Carnaval.


BRASIL DE TODOS OS DEUSES

G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense
(Jeferson Lima, Flavinho, Gil Branco, Me Leva, Guga)

Terra abençoada!

Morada divinal

Brilha a coroa sagrada

Reina Tupã, no carnaval...

Viu nascer a devoção em cada amanhecer

Viu brilhar a imensidão de cada olhar

Num país da cor da miscigenação
De tanto Deus, tanta religião

Pro povo, feliz, cultuar


O índio dançou, em adoração
O branco rezou na cruz do cristão

O negro louvou os seus orixás

A luz de Deus é a chama da paz


E sob as bênçãos do céu

E o véu do luar

Navegaram imigrantes

De tão distante, pra semear
Traços de tradições, laços das religiões

Oh, Deus pai!
Iluminai o novo dia

Guiai ao divino destino
Seus peregrinos em harmonia

A fé enche a vida de esperança

Na infinita aliança

Traz confiança ao caminhar

E a gente romeira, valente e festeira

Segue a acreditar...


A Imperatriz é um mar de fiéis
No altar do samba, em oração

É o Brasil de todos os deuses!

De paz, amor e união...

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